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O Inconsciente e os Traumas da Civilização: Psicanálise, Surrealismo e Guerras Mundiais

  • Foto do escritor: Pedro Kunzler
    Pedro Kunzler
  • 18 de jan.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 19 de abr.

A história da psicanálise se entrelaça de maneira fascinante com movimentos culturais e eventos históricos que marcaram o século XX. Entre eles, destacam-se o surrealismo e as guerras mundiais, que, de maneiras distintas, ofereceram à psicanálise novos horizontes teóricos e práticos, ao mesmo tempo em que evidenciaram a profundidade do inconsciente humano. Este texto propõe refletir sobre como esses contextos históricos dialogaram com a psicanálise, enriquecendo-a e desafiando seus limites.


O surrealismo, nascido no período entre as guerras, foi mais do que um movimento artístico; foi uma busca por acessar a essência do inconsciente, libertando-o das amarras da razão e das convenções sociais. Inspirados pelas descobertas de Freud, artistas como Salvador Dalí e André Breton encontraram no sonho e no automatismo psíquico uma via para explorar o desejo e os aspectos mais irracionais da subjetividade. Jacques Lacan, embora não fosse um surrealista, frequentou esses círculos e absorveu o espírito de transgressão intelectual que os permeava. Ao afirmar que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, Lacan, assim como os surrealistas, desafiou a lógica convencional e trouxe à tona a fragmentação do sujeito, uma questão que o surrealismo abordava através de imagens oníricas e desconexas.


Se o surrealismo abriu portas para que a psicanálise se expandisse culturalmente, as guerras mundiais foram momentos em que o mundo testemunhou, na prática, os limites da civilização e os horrores que emergem do inconsciente coletivo. A Primeira Guerra Mundial, com seus traumas inomináveis, colocou os médicos diante de soldados atormentados por sintomas que desafiavam explicações puramente biológicas. Freud, ao observar as chamadas neuroses de guerra, aprofundou sua compreensão sobre os traumas psíquicos, elaborando o conceito de pulsão de morte – uma força destrutiva que, paradoxalmente, estrutura a vida psíquica.


Já a Segunda Guerra Mundial, com sua violência extrema e regimes totalitários, evidenciou a dimensão política do inconsciente. A submissão das massas a líderes autoritários, estudada por Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu, mostrou como os desejos inconscientes de proteção e pertencimento podem levar à alienação e à repressão. Além disso, o êxodo forçado de psicanalistas judeus, incluindo o próprio Freud, ajudou a disseminar a psicanálise globalmente, expandindo suas fronteiras para os Estados Unidos e América Latina, onde ela encontrou terreno fértil para seu desenvolvimento.


Esse período histórico foi, em suma, um laboratório para a psicanálise. O trauma, tema central tanto nas guerras quanto no pensamento surrealista, revelou a profundidade dos conflitos humanos, os quais vão além da compreensão racional. Através dos campos de batalha e das telas surrealistas, a psicanálise reafirmou sua relevância, conectando as dimensões do inconsciente às questões mais urgentes da existência humana.


Hoje, ao revisitarmos esse diálogo entre arte, psicanálise e história, somos convidados a refletir sobre como os desafios contemporâneos – desde novas formas de violência até a fragmentação da subjetividade na era digital – continuam a exigir uma escuta sensível do que nos move para além da superfície. Assim como no século XX, a psicanálise segue sendo uma ferramenta indispensável para compreender o humano em sua totalidade: entre o desejo, o trauma e a busca por sentido em tempos de ruptura.

 
 
 

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