Do Remédio à Palavra: O Cuidado na Retirada de Antidepressivos e Ansiolíticos
- Pedro Kunzler
- há 3 dias
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Interromper o uso de um antidepressivo ou ansiolítico é um momento de transição delicada. Mais do que a simples retirada de um medicamento, trata-se de uma travessia — física, emocional e simbólica — que merece ser feita com escuta, paciência e respeito pela história singular de cada sujeito.
Muitas vezes, a decisão de iniciar o desmame surge de um desejo legítimo de autonomia, de um ciclo que se fecha, ou da percepção de que a medicação, que em dado momento sustentou o equilíbrio, já não se faz tão necessária. No entanto, esse caminho nem sempre é linear.
A interrupção abrupta de antidepressivos, como a sertralina, ou de ansiolíticos, como o clonazepam (Rivotril) e o alprazolam (Frontal), pode trazer sintomas de descontinuação: tonturas, irritabilidade, insônia, agitação, sensações corporais desconfortáveis — pequenas convocações do corpo e da psique a um novo trabalho de adaptação.
É por isso que o desmame precisa ser lento, progressivo e cuidadosamente monitorado. Há, aqui, mais do que biologia em jogo. Há a retirada de uma sustentação simbólica: o remédio que, por um tempo, ofertou uma espécie de continência à angústia, agora dá lugar à reconstrução de recursos internos.
Nesse sentido, o desmame não é apenas técnico, mas profundamente clínico. Ele convoca a escuta — uma escuta que acolha o que emerge na ausência da substância: o medo, o vazio, a redescoberta de limites e de potências. A psicoterapia, nesse percurso, não é um acessório: é o solo onde o sujeito pode sustentar sua travessia.
Desmamar não é abandonar. É transformar.
Transformar o modo como se lida com o sofrimento, com o desejo, com a vida que pulsa, mesmo entre as ruínas do que parecia imutável.
A cada redução de dose, a cada novo enfrentamento sem a mediação química, nasce a possibilidade de um reencontro — menos medicado, mas talvez mais consciente, mais vivo.
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